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Árabes investem bilhões no Brasil em planta que pode virar uma “nova soja”

A pouco conhecida macaúba virou protagonista. Planta nativa das regiões tropicais e subtropicais do Brasil, também chamada de bocaiúva, macaíba, coco-babão e coco-de-espinho, a palmeira virou aposta de R$ 15 bilhões de investidores árabes para produzir em larga escala diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF).

A primeira fábrica de SAF a partir de macaúba começa ser erguida neste segundo semestre em Mataripe (BA) pela empresa Acelen Renováveis. A Acelen é controlada pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, dono de uma refinaria de petróleo na mesma cidade.

O que seduziu os investidores foi a ausência de impeditivos ambientais, já que a macaúba é nativa e só ocupará áreas de pastagens degradadas. Não menos importante é a perspectiva de retorno econômico devido à excepcional produtividade de óleo vegetal extraído dos coquinhos da palmeira.

A espécie rende até sete vezes mais óleo por hectare do que uma planta de soja, principal commodity de exportação do Brasil. Como a soja, a macaúba também tem a virtude das mil e uma utilidades. O óleo serve para consumo humano e para a indústria química, de cosméticos e de combustíveis. A farinha, rica em proteína, pode ser incorporada à dieta humana e das criações, sem contar o aproveitamento das fibras para cordas e tecelagem, e da casca do coco como biochar – tipo de carvão vegetal que sequestra carbono e corrige o solo.

Macaúba tem atributos para virar a "nova soja"

“Acredito piamente que no futuro a macaúba pode se tornar uma outra soja para o Brasil. Quando a gente tiver pleno domínio de todos os aspectos de produção, de sanidade e segurança para quem vai investir e produzir, ela pode se tornar talvez tão importante como a soja”, afirma Maurício Antônio Lopes, ex-presidente da Embrapa. Lopes integra a equipe de pesquisa do projeto de cooperação técnica com a Acelen para viabilizar o cultivo da palmeira em larga escala.

Tanto otimismo se justifica em função da demanda crescente por óleo vegetal: “Não tem chances de o mercado de óleo vegetal regredir no mundo. Os indianos são vegetarianos e consomem muito. Na verdade, o mundo não tem óleo para prover a quem quer consumir óleo, alimento, e mais para quem precisará consumir óleo para descarbonizar setores, como a química e a energia”.

Enquanto os 200 mil hectares de macaúba não entrarem em produção, o que leva até 3,5 anos, a usina da Acelen na Bahia funcionará movida a óleo de soja. E consumirá nesse período o equivalente a todo o óleo de soja exportado anualmente pelo país, cerca de 2,3 milhões de toneladas. Em 2026, quando iniciar a produção, a biorrefinaria produzirá o equivalente a 20 mil barris por dia de SAF ou de diesel verde, o suficiente para movimentar uma frota de mais de um milhão de veículos por ano.

Nova cadeia produtiva pode movimentar quase R$ 90 bilhões

A Acelen mira se tornar “a maior e mais competitiva produtora de combustíveis renováveis, num modelo integrado que vai da semente da macaúba ao combustível”, conforme Victor Barra, diretor de agronegócios da empresa.

Barra sublinha que o maior desafio será o processamento do fruto para extração do óleo e o aproveitamento total das demais biomassas, para que não haja geração de resíduos, mas agregação de valor. “A domesticação da macaúba não é um projeto de uma empresa, ou nem mesmo de um país, mas um projeto para o mundo”, avalia.

Estima-se que o investimento de R$ 15 bilhões da Acelen, ao longo dos próximos dez anos, terá um efeito econômico de R$ 87 bilhões, visto que toda uma nova cadeia produtiva será criada. E já há estudos para replicar o módulo de cultivo da macaúba de 200 mil para 1 milhão de hectares.

Na primeira fase serão criados 90 mil empregos diretos e indiretos. Pelo menos 20% do cultivo virá da agricultura familiar, podendo injetar renda de até R$ 130 mil por ano para propriedades de 10 hectares que hoje têm pouca ou nenhuma viabilidade econômica.

Florestas de bioenergia no lugar de pastagens degradadas

“Quando estiver pronta, a refinaria estará no primeiro quartil das maiores refinarias do mundo. E se colocar todos os projetos em sua curva de custo, esse projeto é um dos mais competitivos do mundo em relação ao custo de produção do litro de SAF", diz Marcelo Lyra, vice-presidente de Relações Institucionais e Comunicação da Acelen.

"E vamos fazer 100% em cima de pastagens degradadas, em função da captura de créditos de carbono nessas áreas. Estamos criando verdadeiras florestas de bioenergia”, sublinha o executivo.

A Acelen Renováveis e a Embrapa formalizaram o acordo de cooperação técnica de cinco anos para domesticação da macaúba. Domesticar, na linguagem técnica, é fazer seleção genética e estudar o melhor aproveitamento dos frutos (casca, polpa, endocarpo e amêndoa) via processos mais eficazes para extração de óleos de alta qualidade e geração de bioprodutos.

Mesmo não domesticada, macaúba já bate a palma

Se ainda se fala em domesticação da macaúba, não pode parecer precipitado avançar com um projeto de R$ 15 bilhões numa usina de SAF cuja principal matéria-prima ainda passar por testes e seleção genética?

“A macaúba não é desconhecida. Ela já é utilizada há muito tempo num esquema de extrativismo para produzir óleo e outras proteínas, rações e tudo mais. Nós já temos macaúba cultivada em nosso banco de germoplasma e também em experimentos em diferentes lugares, que mostram um potencial significativo. As estimativas mostram que, mesmo ainda não melhorada, a macaúba pode produzir tanto óleo como a principal oleaginosa do mundo, que é o óleo de palma”, aponta Lopes, da Embrapa.

A produção de óleo de palma, hoje, está na faixa de 3,5 mil a 4 mil quilos por hectare. Enquanto isso, as macaúbas não domesticadas já produzem de 4 mil a 5 mil quilos de óleo por hectare. Somente essa conta, isolada, já seria suficiente para “startar” o projeto.


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