Como sabido, as grandes distribuidoras de combustíveis do país comercializam produtos como álcool carburante, biodiesel, gasolina e demais derivados de petróleo, caracterizando-se tal atividade, indiscutivelmente, como atacadista.
Nada obstante, comumente veem-se diante de indevidas autuações fiscais, lavradas sob o entendimento de que a atividade fim de diversos de seus estabelecimentos seria o comércio varejista (e não o atacadista).
É sobre a manifesta ilegalidade de tal ato que versa o presente artigo, pelo qual se demonstrará ser absolutamente indevida esta classificação da atividade da distribuidora de combustíveis.
Como se sabe, as distribuidoras de combustíveis atuam no mercado adquirindo derivados de petróleo das refinarias e distribuindo-os aos postos revendedores (rede varejista) ou vendendo-os diretamente aos grandes consumidores, tais como companhias aéreas e bases aéreas militares.
Ocorre que, a depender de como se dá a operação, sua tributação pelo imposto estadual incidente (ICMS) é sensivelmente diferente.
Assim, o objetivo do presente estudo é esclarecer se as distribuidoras praticam comércio varejista ou atacadista, para fins da incidência do ICMS.
Para tanto, cabe definir a quem é distribuído o combustível e qual é a operação praticada em cada caso. Vejamos o que dispõe o art. 6º, XXI, da Lei nº 9.478/97:
“Art. 6º. Para os fins desta Lei e de sua regulamentação, ficam estabelecidas as seguintes definições: (…) XX – Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis;”
Como se vê, a legislação estabelece dois cenários distintos para as distribuidoras: o de comercialização por atacado com a rede varejista (postos de combustíveis) e a comercialização por atacado com grandes consumidores de combustíveis.
Assim, para qualquer uma das hipóteses apontadas, as distribuidoras exercem única e exclusivamente a atividade atacadista.
Ocorre que, apesar desta clara premissa, a Fazenda Pública entende que a comercialização aos grandes consumidores de combustíveis caracterizaria atividade varejista pela simples razão de a venda ocorrer diretamente ao consumidor final da cadeia comercial.
E daí se originam as autuações ilegais enfrentadas pelas distribuidoras de combustível quanto a este aspecto.
A realidade é que, ao assim proceder, a Fiscalização confunde a atividade de distribuição com a de revenda de combustíveis. O art. 6º, incisos XX e XXI, da Lei nº 9.478/97 traz essa distinção:
“Art. 6° Para os fins desta Lei e de sua regulamentação, ficam estabelecidas as seguintes definições: (…) XX – Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis; XXI – Revenda: atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis;”
ANP veda expressamente a prática da atividade varejista pelos distribuidores
Como se percebe, as distribuidoras de combustível exercem atividade atacadista, uma vez que atuam para o abastecimento de grandes consumidores, diferentemente da venda a varejo praticada pelos postos revendedores.
Em reforço ao que se demonstra, é necessário destacar que a própria Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgão regulador do setor de combustíveis, editou a Portaria nº 116/2000, cujo artigo 12 veda expressamente a prática da atividade varejista pelos distribuidores de combustíveis líquidos.
Por seu turno, o já mencionado art. 6º, XX, da Lei nº 9.478/97, a qual dispõe sobre a política energética nacional e instituiu a ANP, dentre outras providências, define como distribuição a “atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis”.
Portanto, ainda que as distribuidoras quisessem, o exercício do comércio varejista não é permitido pelo próprio órgão regulador do setor, sendo este mais um motivo pelo qual as autuações lavradas pelas fiscalizações estaduais sob este fundamento são manifestamente ilegais.
Em linha com este raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já assentou que os estados da federação não detêm competência funcional para dispor sobre a classificação fiscal de mercadorias (REsp nº 1.555.004/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 16.02.2016).
O precedente se aplica ao presente caso na medida em que a ANP, como órgão regulatório do setor de petróleo e gás natural, é quem detém a competência de fiscalizar, dispor e editar normas sobre a cadeia produtiva dos combustíveis, não podendo o entendimento do Fisco estadual prevalecer sobre suas normas, em razão da ausência de sua competência funcional para o exercício desta função.
Certo, pois, é que cabe à ANP a atribuição privativa de legislar e definir os conceitos sobre distribuição, comércio, revenda e todos os aspectos do setor do petróleo, não sendo minimamente razoável o exercício individualizado desta atividade por cada um dos 26 Estados da Federação e o Distrito Federal, sob pena de ilegalidade, usurpação de competência e contrariedade à orientação do STJ.
Por fim, não é demais lembrar que o conceito de comércio por atacado e varejo é conferido pelo Direito Privado, motivo pelo qual a lei tributária não pode alterar a sua definição, sob pena de ofensa ao art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN).
Portanto, as autuações pautadas na exigência de ICMS e multa sobre o suposto exercício de atividade varejista pelas distribuidoras de combustíveis são manifestamente ilegais e inconstitucionais, pois, além de as empresas deste segmento serem expressamente proibidas de praticar o varejo, o Fisco estadual não dispõe de competência funcional para reclassificar a atividade por elas exercida, além do fato de o conceito de varejo estar ser estabelecido pelo direito privado, não podendo, assim, ser modificado pela lei tributária.
Janssen Murayama é sócio fundador do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e mestre em Direito Tributário pela UERJ.
É membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio), além de autor e coordenador de livros e artigos científico-tributários. Professor convidado do FGV Law Program e da Pós-Graduação em Direito Tributário da Mackenzie Business School.
Camila Cristina Magrille Molle é advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-graduada em direito tributário pela Universidade Cândido Mendes. Extensão em contabilidade geral e tributária pela Fundação Getúlio Vargas.
Mariana de Oliveira Ferreira é advogada em Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Graduada em Direito pelo IBMEC, com LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e Extensão em Tributário pela EMERJ.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Fonte:https://epbr.com.br/
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